A imagem abaixo ilustra uma queda abrupta nas respostas somatossensitivas que ocorreu no momento de abertura de dura-máter ao se abordar um tumor intra-medular cervical em uma paciente de 65 anos.
Como deve ser rotineiro, em situações como essa, na comunicação com o anestesiologista se verificou que a PAM estava em 52 e tomaram-se medidas para elevá-la, o que resultou em um recuperação parcial das amplitudes somatossensitivas quando a PAM se estabilizou acima de 70.
O evento acima, algo comum para quem atua em neurofisiologia intra-operatória, serve apenas para ilustrar a relação complexa entre os fatores que podem influir no prognóstico neurológico.
A pronta melhora das repostas assim que a PAM foi elevada poderia levar à conclusão de que essa foi a única responsável pela queda, porém a recuperação parcial pode sugerir que a queda de PAM foi apenas um fator precipitador e que alguma manobra cirúrgica também pode ter contribuído, já que duração da queda de PAM foi relativamente breve, durando cerca de 20 minutos e sem repercussão no EEG.
Uma hipotensão com duração de 20 minutos pode ser um fator independente na determinação do risco neurológico? Trabalho publicado em 2018 (Anesthesiology), com base na análise de mais de 7 mil pacientes, mostra a importância de se ter atenção não àpenas ao nível de hipotensão como à sua duração e sua leitura nos ajuda a manter atenção a esse importante parâmetro.
O estudo avaliou o risco de AVC no peri-operatório entre pacientes submetidos a cirurgia cardíaca com circulação extra-corpórea e procurou restringir a população excluindo casos em que sabidamente o risco é bem mais elevado e poderiam gerar heterogeneidade nos grupos: procedimentos de Aorta ou LVAD (left ventricular assist devices) não foram analisados.
Neste estudo, onde eventos de AVC ocorreram em 111 pacientes (1.5% dos 7457), entre os que sofreram hipotensão durante a circulação extra-corpórea o risco aumentou em 13% a cada 10 minutos abaixo de 65mmHg, 16% a cada 10 minutos abaixo de 55mmHg e 7% quando se observou queda de 10% em relação à PAM antes da indução.
Obviamente não se deve usar os valores de 55 ou 65mmHg como "absolutos" ao aplicá-los em cada caso.
Um paciente previamente hipertenso pode requerer níveis maiores e mesmo que um certo nível de PAM seja adequado à perfusão cerebral, níveis maiores podem ser necessários à função de territórios críticos, ao menos no intra e pós operatório imediatos.
Outro trabalho que ilustra muito bem a importância de ajuste individual da PAM de acordo com o território sob risco, não só durante a cirurgia mas até no pós-operatório, foi publicado por Rainer See e Mirela Simon em 2016 (Annal Neurol).
Entre 150 pacientes submetidos a reparo de aneurisma de aorta tóraco-abdominal que saíram da cirurgia sem déficit, 21 (14%) tiveram déficit tardio.
Desde 2010 o serviço do MGH passou a estender a monitorização motora para o pós-operatório, com finalidade de identificar a PAM mínima à manutenção dos MEPs em cirurgias de Aorta, de tal maneira que puderam comparar a incidência de déficits tardios entre o que tiveram MNIO mais prolongada (59 pacientes) e que outros em que a MNIO foi interrompida assim que o clamp de Aorta foi retirado (91).
O resultado foi estatisticamente definitivo: entre os 21 que tiveram déficit, 19 não tiveram MNIO prolongada. O risco de déficit tardio foi reduzido em mais de 80% pela MNIO prolongada (OR: 0.14).
Referências:
1. Sun LY, Chung AM, Farkouh ME, van Diepen S, Weinberger J, Bourke M, Ruel M. Defining an Intraoperative Hypotension Threshold in Association with Stroke in Cardiac Surgery. Anesthesiology. 2018 Sep;129(3):440-447. PMID: 29889106.
2. See RB, Awosika OO, Cambria RP, Conrad MF, Lancaster RT, Patel VI, Chitilian HV, Kumar S, Simon MV. Extended Motor Evoked Potentials Monitoring Helps Prevent Delayed Paraplegia After Aortic Surgery. Ann Neurol. 2016 Apr;79(4):636-45. doi: 10.1002/ana.24610. Epub 2016 Mar 8. PMID: 26841128.
Bình luận