O Guideline de 2014 de Lefaucher considera definitiva a evidência de eficácia da TMS de alta frequência em córtex motor primário para a dor neuropática, o que autoriza seu uso clínico no tratamento. Além disso, a rTMS pode identificar pacientes que irão responder ao implante cirúrgico de estimuladores epidurais de córtex motor, passando a ter também um papel diagnóstico.
Apenas 5 sessões de rTMS já permitem identificar se o paciente irá se beneficiar do método, uma grande vantagem em relação ao uso da rTMS na depressão, mas a falta de grandes estudos abertos e o fato dos maiores estudos terem combinado diversas etiologias em um mesmo grupo, deixam o clínico com poucos dados para fazer previsões individuais. Chamamos, portanto, atenção ao seguinte:
O guideline citou muitos estudos que procuravam demonstrar apenas o efeito imediato da rTMS na dor (1 única sessão de tratamento), algo sem nenhuma utilidade clínica em pacientes com dor crõnica, daí selecionarmos apenas os protocolos em que se demonstrou efeito analgésico duradouro ou que serviram como triagem de pacientes para o implante de eletrodos de estimulação de córtex motor.
A fração de pacientes que apresenta melhora em estudos abertos (sem grupo placebo) tende a ser mais próxima da prática clínica do que a fração que melhora no grupo ativo de estudos placebo controlados, vide a fração de remissão de depressão de 14.1% no estudo Opt-TMS (Georde 2010) e de 37% para o mesmo protocolo em um grande estudo aberto de fase IV (Carpenter 2012)
Com exceção do estudo de Ahmed, 2011, que avaliou apenas uma etiologia de dor neuropática (pós-amputação) e mostrou uma evidente e persistente resposta, os outros estudos em que o guideline de baseou incluiram pacientes com etiologias diversas (Kedhr e Hosomi) ou protocolo com pequeno número de pulsos e baixa frequência (Hosomi, 5hz, 500 pulsos), o que certamente diluiu o efeito da rTMS.
A rTMS sublimiar de córtex motor primário para dor neuropática surgiu com base na observação de que o implante de estimulador epidural em córtex motor em frequências de 40Hz ou mais e intensidades sublimiares permite obter alívio persistente em cerca de 50% de pacientes com dor neuropática refratária a medicações (Cruccu 2007, Tsubokawa 91).
Nesse grupo estão estudos inclusas as etiologias:
AVC (Kedhr 2005, Hosomi 2013)
Neuralgia do trigêmeo (Kedhr 2005)
Lesão medular (Kang 2009, Hosomi 2013)
Dor pós-AVC e Neuralgia do trigêmeo (Kedhr 2005)
Perfil dos pacientes: 48 pacientes com dor resistente a medicação (24 com neuralgia do trigêmeo, 24 com dor pós-AVC). Os pacientes foram randomizados a sessão ativa ou placebo de acordo com o dia da semana em que eram recrutados, o que foi criticado por poder introduzir um viés.
Escalas usadas: a dor foi avaliada por VAS (escala visual analógica de dor) e LANSS (Escala Leeds de sintomas e sinais de neuropatia) na entrada, após as sessão 1,4 e 5 e 15 dias após a última sessão.
Melhora ≥70% foi considerada BOA, ≥40% considerada REGULAR, <40% RUIM.
Protocolo
Figura acima: protocolo de Kedhr no Software Neuro-MS.NET: 1 sessão por dia por 5 dias, bobina em figura-de-oito, em córtex motor na área da mão do lado com dor, com angulação de 45º em relação ao plano sagital. Nota: se a dor for no ombro ou face, ainda assim o tratamento deve ser na área motora da mão.
Envie ao paciente no início do tratamento e após 7 dias
Resultados (por VAS)
Comentários
O alívio da dor foi máximo após a quinta sessão, embora já pudesse ser demonstrado, entre os respondedores, após a primeira sessão. Estudos com sessões de 20 minutos (nesse as sessões duravam 10 minutos) descreveram melhora maior na primeira sessão.
A fraçao de pacientes que responderam à rTMS é da mesma ordem da fração que responde ao implante de eletrodo de estimulação epidural cortical. Os autores sugerem a rTMS como método para prever se o paciente irá responder ao implante epidural.
Para explicar a ausência de resposta em uma fração de pacientes, os autores especulam se essa não depende de projeções córtico-talâmicas que podem estar lesadas nesses casos.
Dor neuropática (Hosomi 2013)
Perfil dos pacientes: 64 pacientes com dor neuropática resistente a medicações. Etiologia em 81% AVC(n=52), nos 19% restantes A lesão foi espinal (7), amputação (3), raiz (1) ou nervo (1).
Escalas usadas: escalas respondidas pelo próprio paciente: VAS (escala visual analógica de dor), McGill (SF-MPQ) e PGIC (Impressão global de mudança).
Protocolo
Figura acima mostra o protocolo de Hosomi no Software Neuro-MS.NET: 1 sessão por dia por 10 dias (segunda a sexta), bobina em figura-de-oito, em córtex motor na área de projeção da dor, com angulação de 45º em relação ao plano sagital.
Envie ao paciente no início do tratamento e após 7 dias
Resultados: o benefício do protocolo de Hosomi foi significante, porém modesto, e só foi percebido durante os 12 dias de tratamento (redução média de VAS de 6.5% vs placebo de 2.4%, p<0.001), desaparecendo no seguimento (diferente do observado com o protocolo de Kedhr, em que havia resposta clara 15 dias após o término do tratamento, ou de Ahmed, com resposta mantida por 2 meses).
Comentários: A redução significativa, porém modesta, sugere que a frequência de 5Hz, sessão com apenas 500 pulsos e a escolha do ponto de estimulação exatamente na área de projeção da dor levam a uma eficácia menor. Quanto a essse último ponto, Lefaucher sugere que a escolha de um alvo motor de representação adjacente à área de projeção da dor seja superior.
Membro fantasma, Ahmed 2011
A dor em membro fantasma é de difícil tratamento, tanto por medicamentos como por neurocirurgia funcional (DREZ, cordotomia, rizotomia, simpatectomia, neuroestimulação). Mudanças plásticas tanto em córtex somatossensitivo primário como motor primário e ainda mecanismos espinais e periféricos podem estar envolvidos na sua produção. Este estudo investigou o efeito de 5 sessões de rTMS nessa condição.
Perfil dos pacientes: 27 pacientes com dor pós-amputação (11 membro superior e 16 membro inferior) sem resposta a medicação. 17 rTMS, 10 placebo.
Escalas usadas: VAS (escala visual analógica de dor) e LANSS (Escala Leeds de sintomas e sinais de neuropatia). Avaliações D1, D5, D30, D60
Protocolo
Figura acima: protocolo de Ahmed no Software Neuro-MS.NET: 1 sessão por dia por 5 dias, bobina em figura-de-oito, em córtex motor na área do coto amputado, com angulação de 45º em relação ao plano sagital.
Envie ao paciente no início do tratamento e após 7 dias
Comentários: O estudo demonstrou que 5 dias de rTMS produzem alívio da dor que persiste por 2 meses. Ao menos na fase aguda, o estudo pôde documentar um aumento de endorfina como um dos mecanismos da melhora.
Fibromialgia (Mhalla 2011)
Perfil dos pacientes: 40 pacientes com fibromialgia e escore≥4 no BPI (Brief Pain Inventory, onde 0 = nenhuma dor e 10 = máxima dor imaginável), sem diagnóstico de depressão
Escalas e medidads usadas: BPI antes de cada sessão e 1 mês após última sessão, 5 medidas de excitabilidade cortical por testes de pulso pareado(SICI, ICF), nos dia 1 e 5 e nas semanas 3, 9 e 21. Usados também questionário de McGill, FIQ (Escala de Impacto da Fibromialgia), HAD (hospital anxiety and depression scale), BDI (Depressão de Beck), PCS (Pain catastrophizing scale).
Protocolo
Figura: protocolo de Mhalla no Software Neuro-MS.NET Tratamento: 1 sessão/d por 5 dias, 1 sessão/semana por 3 semanas, 1 sessão cada 2 semanas por 6 semanas, 1 sessão por mês por 3 meses. Bobina: figura-de-oito, córtex motor à esquerda em área da mão, angulação de 45º em relação ao plano sagital, no sentido póstero-anterior.
Envie ao paciente no início do tratamento e após 7 dias
Envie ao paciente no início do tratamento e após 7 dias
Resultados: Houve maior redução de dor no grupo ativo (p=0.007), a partir do dia 5, mantida durante a fase semanal e quinzenal e com tendência a redução na fase mensal. O escore médio na BPI era ao redor de 6.1 no início e o escore médio a partir da quinta sessão ficou ao redor de 4.9.
Houve redução também em componentes afetivos e sensoriais (p=0.0001) da dor, e no quanto a dor interfere na qualidade de vida (p=0.005), mas não no humor ou trabalho. Nos teste de pulso pareado, a SICI mudou no grupo ativo na mesma proporção de mudança na dor, e ICF mudou na proporção da fadiga e da catastrofização.
Comentários: o Guideline de Lefaucher só não classificou a evidência de eficácia para fibromialgia em grau A porque este e outros 2 estudos com resultados positivos(Passar 2007 e Baiduc 2013) foram todos produzidos pelo mesmo grupo.
Ao apresentar os dados tanto de respondedores como não respondedores em uma média, o estudo deixou de informar a fração de pacientes com resposta e a magnitude da resposta entre os respondedores, uma informação valiosa ao clínico que pretende implementar a técnica. Como a resposta, quando presente, é rápida, uma prova terapêutica de 5 dias é suficiente para identificar os que irão se beneficiar desse protocolo que demonstrou efeitos persistentes por até 6 meses.
Referências:
rTMS Dor pós-AVC ou Neuralgia do trigêmeo
Khedr EM, Kotb H, Kamel NF, Ahmed MA, Sadek R, Rothwell JC. Longlasting antalgic effects of daily sessions of repetitive transcranial magnetic stimulation in central and peripheral neuropathic pain. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005 Jun;76(6):833-8. Dor por membro fantasma
Ahmed MA, Mohamed SA, Sayed D. Long-term antalgic effects of repetitive transcranial magnetic stimulation of motor cortex and serum beta-endorphin in patients with phantom pain. Neurol Res. 2011 Nov;33(9):953-8. Dor neuropática (diversas etiologias)
Hosomi K, Shimokawa T, Ikoma K, Nakamura Y, Sugiyama K, Ugawa Y, Uozumi T, Yamamoto T, Saitoh Y. Daily repetitive transcranial magnetic stimulation of primary motor cortex for neuropathic pain: a randomized, multicenter, double-blind, crossover, sham-controlled trial. Pain. 2013 Jul;154(7):1065-72. Fibromialgia
Mhalla A, Baudic S, Ciampi de Andrade D, Gautron M, Perrot S, Teixeira MJ, Attal N, Bouhassira D. Long-term maintenance of the analgesic effects of transcranial magnetic stimulation in fibromyalgia. Pain. 2011 Jul;152(7):1478-85.
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