Resumo da apresentação de Tracy Barbour (Massachussets General Hospital)
Devo tentar outros alvos e estratégias para o tratamento de TOC quando a estratégia inicial falhou? Evidências de heterogeneidade do TOC na resposta a diferentes alvos ou parâmetros terapêuticos (além de DMPFC) e na fisiologia de circuitos.
Os automatismos de pensamento e comportamento que caracterizam o transtorno obsessivo compulsivo envolvem, em nível mais baixo, estruturas que também controlam automatismos motores: circuitos córtico-estriato-tálamo-corticais (Karas 2019).
A modulação invasiva do striatum ventral (e joelho anterior de cápsula interna) por DBS tem aprovação FDA desde 2009 para casos de TOC refratário (FDA 2009, TPLC).
Já a modulação com TMS age em circuitos de nível mais alto.
Assim como na depressão há um distúrbio de nível mais elevado na "governança" do neocórtex pré-frontal sobre o arquicórtex límbico, circuitos de alto nível também estão envolvidos na governança de circuitos subcorticais no TOC, com estruturas envolvidas nas redes de controle cognitivo (DLPFC) e nas redes que codificam associações de aversão (OFC) e atração (DMPFC, VMPFC) apresentando potencial para intervenção terapêutica.
Tracy Barbour citou estudo de Brennan (Biol Psychiatry CNN 2019) que, ao estudar conectividade em 41 pacientes com TOC usando delimitação de regiões funcionais individual (ao invés de delimitaçaõ baseada em atlas) e acompanhar mudanças de conectividade e sua correlação com mudanças em sintomas, conseguiu perceber padrões de conectividade diferentes para perfis sintomáticos dos grupos 1 ou 2 da escala DOCS (DOCS1: preocupação com contaminação/comportamento de limpeza, DOCS2: prevenção de dano, ferimento, azar/checagem).
Meta-análise de 31 estudos feita por Grassi (Life 2023) encontrou evidência de eficácia para alvos além de DMPFC/ACC (o método registrado no FDA), como o DLPFC e o OFC e Brakoulias, em um survey com repostas de 10 diferentes países já em 2021, mostrava adoção clínica de alvos como DLPFC e OFC em mais de 1/3 dos centros.
Apresentou um caso em que o protocolo FDA, excitatório, produziu piora sintomática aguda após alguns dias de tratamento, resolveu mudar para inibitório e observou então melhora de 50%!
Outra observação interessante foi que o alvo FDA ( que se baseia em regra a partir de "hotspot" motor) ficava posterior ao SMA (15% anterior a Cz), o que é esperado, já que em geral o "hotspot" de mmii fica próximo a Cz e considerando uma média de 36cm de distância nasion-inion, o alvo SMA ficaria 5.4 cm anterior a Cz.
Concluiu chamando atenção para o potencial de alvos como OFC, Pre-SMA e DLPFC e a importância de se individualizar tratamento.
Mesmo sem um método de imagem funcional ou estudos prospectivos que possam responder a melhor estratégia de antemão, reconhecer essa heterogeneidade apoia, assim como já é padrão no tratamento da dor com TMS, individualização e exploração de outros alvos e estratégias quando o método inicial não produziu resposta.
Resumo da apresentação de Rebecca Price (University of Pittsburgh)
Neuromodulação em córtex orbito-frontal esquerdo com Theta-burst contínuo combinado a exercício cognitivo de "supressão de hábito" (feito cerca de 15 minutos após a sessão) tem efeito de reduzir os comportamentos e impulsos compulsivos.
Rebecca Price estudou os efeitos da modulação do OFC (que codifica associações de aversão) por Theta-burst intermitente ou contínuo associados a um exercício cognitivo de "Habit override" aplicado durante a "janela de plasticidade" aberta pela estimulação (que tende a ser máxima 10-15 minutos porém persiste até 60 minutos) em 62 pacientes com TOC (32 TBi, 29 TBc) e verificou que a estratégia de TBc teve mais efeito de alívio do comportamento e impulsos compulsivos (usando um teste personalizado aos comportamentos ou compulsões do paciente que foi capaz de quantificar esses comportamentos em uma única sessão).
O estudo já foi publicado (Am J Psychiatry 2021) . Abaixo destaco alguns trechos.
O protocolo cognitivo de "Habit Override" apresentado por Rebbeca foi desenvolvido por Claire Gillan, e tem a vantagem de não apenas "trazer à tona o circuito disfuncional" como exercitar uma função cognitiva essencial para o sucesso do tratamento e que está por trás da "governança do comportamento dirigido a meta" sobre o "comportamento condicionado". A propósito, o laboratório de Gillan desenvolveu um App (Neureka) que permite tanto testar esse equilíbrio como exercitá-lo.
O exercício envolvia, primeiro treinar o paciente para, ao pressionar um botão após visualizar uma imagem, evitar um choque. Era exibidas 4 imagens, 1 delas indicava choque no pé à esquerda (que podia ser evitado pressionando um botão à esquerda), outra indicava choque no pé à direita e outras duas não indicavam choque algum. Após incorporar esse hábito, na sessão de "supressão de hábito", um dos eletrodos que aplicava choque era desconectado e isso era explicado ao paciente, que deveria então resistir a pressionar o botão que não mais previa choque mas continuar pressionando o botão que previa choque.
Trecho em que fala da "janela de oportunidade de aprendizado" aberta pela sessão de TMS, que fundamentou a escolha de fazer o exercício cerca de 15 minutos após a TMS:
Podemos entender as manifestações do TOC (além de outras condições psiquiátricas) em diversos "níveis" desde o mais alto, "sintomas", até o nível celular, em "sinapses":
Sintomas codificados como "hábito": Comportamentos compulsivos foram adquiridos pelo efeito da prática repetida produzir alívio de curto prazo.
Nível de procesamento afetivo: Os vícios de pensamento e comportamento podem ser descritos como rigidez ou viés no processamento de informações e tomada de decisões.
Circuitos neurais: Essa rigidez está codificada em circuitos córtico-límbicos (entre redes de controle cognitivo e saliência) e córtico-estriato-tálamo-corticais.
Sinapses: em nível sináptico, essa falta de flexibilidade corresponde a redução de plasticidade e a um déficit na extinção de respostas não-adaptativas
Ao combinar neuromodulação com exercícios cognitivos, estamos agindo em diferentes níveis que codificam a mesma condição.
Alternar entre ações "pensadas" (adequadas a metas) e "condicionadas" é fundamental para combinar eficiência e flexibilidade. O alvo do tratamento no TOC deve ser facilitar as redes envolvidas em tarefas dirigidas a metas ("top-down") que consigam suprimir o hábito condicionado ("habit overrride")
A literatura relatou estados funcionais diversos do córtex orbitofrontal em TOC, que tanto poderiam implicá-lo como "gerador de comportamento repetitivo" como "supressor de comportamento repetitivo e promotor de comportamento dirigido a meta"
Rebecca planejou um experimento (Am J Psychiatry 2021) para testar ambas hipóteses em 62 indivíduos com TOC que foram randomizados para receber TBi ou TBc (ambas com 600 pulsos a 110% do limiar motor) com bobina figura-de-oito próxima a Fp1 (alvo foi ajustado por neuronavegação à fronteira entre Broadman 10 e 11 (MNI -23, 55, 4), correspondentes a OFC/FPC).
Para que pudesse avaliar os efeitos de aplicação única de, Rebecca usou um método que levava em conta as compulsões e comportamentos específicos de cada paciente para planejar um desencadeante. Após expor o paciente a esse desencadeante, esse era orientado a resistir, na medida do possível, era deixado sozinho por 5 minutos e então respondia em uma escala analógica o grau de "urgência", "esforço" e "sucesso" em resistir aos comportamentos.
Essa única sessão de TBc em Fp1 produziu uma redução nos escores que persitiu por 1 semana e diferiu significativamente dos efeitos após TBi em Fp1.
Por fim quero destacar um trecho de outra apresentação que também fala esse alvo Orbito-frontal e ilustra a estratégia de "mudar de estratégia" quando o alvo ou parâmetros iniciais não tiveram sucesso.
Andrew Leuchter e seu grupo na UCLA usam o alvo Orbitofrontal na depressão como estratégia quando a alta frequência em F3 não produz resposta. No slide abaixo ele combina dados de diferentes publicações, entre as quais essa de 2023, onde usaram 1200 pulsos a 1Hz sobre Fp2 (córtex orbito-frontal lateral direito) em 120-140% do limiar motor como estratégia quando não havia resposta nas primeiras 20 sessões.
Referências:
Price RB, Gillan CM, Hanlon C, Ferrarelli F, Kim T, Karim HT, Renard M, Kaskie R, Degutis M, Wears A, Vienneau EP, Peterchev AV, Brown V, Siegle GJ, Wallace ML, Ahmari SE. Effect of Experimental Manipulation of the Orbitofrontal Cortex on Short-Term Markers of Compulsive Behavior: A Theta Burst Stimulation Study. Am J Psychiatry. 2021 May 1;178(5):459-468. Epub 2021 Mar 17. PMID: 33726523; PMCID: PMC8119344.
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